Textos para Reflexão
O crime do professor de matemática – (Clarice Lispector)
Dotado de elementos
religiosos como missa, pecado, juízo final. Seu protagonista, um professor de
Matemática (símbolo da frieza, precisão, objetividade) vai até a parte mais alta
da cidade enterrar um cachorro. É uma forma de compensar o seu cão
de estimação que havia abandonado. O que o animal havia feito de errado? Nada.
Apenas tinha feito do pedagogo o homem que seria seu dono. Ser humano era uma
tarefa que incomodava, assustava o mestre, principalmente quando o bicho
encarava, não cobrando nada, apenas humanidade. No final, o homem desenterra o
cão e se esquece do crime que havia cometido (abandonar o cão ou não ter coragem
de ser humano?). Desce a montanha (como se estivesse em posição mais elevada,
mais consciente de suas falhas e caísse na alienação?) e volta para o “seio de
sua família”. Mergulha, provavelmente, na apatia de sua existência. Era domingo,
os católicos dirigiam-se à igreja. Um homem os observava da colina mais alta da
chapada. Carregava um saco pesado na mão e, nas costas, a culpa de um dia ter
abandonado um cão com o qual tinha uma relação de afeto. De dentro do saco o
senhor retirou um cachorro morto. Era-lhe desconhecido, sentou-se ao seu lado e
observou, solitário, a paisagem ao redor, a chapada deserta com a sua única
árvore. Do saco tirou uma pá e começou a pensar onde enterraria o defunto.
Talvez rio centro da chapada, lugar em que ele mesmo gostaria de ser enterrado.
Diante da dificuldade de determinar a exata posição do centro da chapada,
resolveu enterrá-lo ali mesmo, precisamente embaixo dos seus pés. Pegou a pá e
pôs-se a cavar. O crime do professor de matemática não consistia em ter matado o
cão desconhecido. Encontrara-o já morto, numa esquina, e surpreendera-se com a
idéia de enterrá-lo. O corpo do cão representava para ele o cão verdadeiro, o
que abandonou ao mudar-se com a família de uma cidade para aquela em que agora
vivia. Enfim, o professor enterrou o cão, bem à superfície, para que não
perdesse a sensibilidade. Para o homem, esse ato era a maneira que achara de
redimir-se do seu pecado, de punir-se do seu crime com o outro cão, o
abandonado. Sentindo-se finalmente livre, o homem pôs-se a pensar no verdadeiro
cão, como quem pensasse na verdadeira vida, Enquanto eu te fazia à minha imagem,
tu me fazias á tua", pensou com saudades. "Dei-te o nome de José para te dar um
nome que te servisse ao mesmo tempo de alma, (...) Quanto me amaste mais do que
te amei. Refletindo a relação que estabelecera com o cão, o homem revelará aos
poucos os motivos que tornaram impossível a convivência entre ambos: "E,
abanando tranqüilo o rabo, parecias rejeitar em silêncio o nome que eu te dera.
(...) Porque, embora meu, nunca me cedeste nem um pouco de teu passado e de tua
natureza. E, inquieto, eu começava a compreender que não exigias de mim que eu
cedesse nada da minha para te amar, e isso começava a me importunar. Era o ponto
de realidade resistente das duas naturezas que esperavas que entendêssemos.
Minha ferocidade e a tua não deveriam se trocar por doçura: era isso que pouco a
pouco me ensinavas, e era isso também que estava se tornando pesado. Não me
pedindo nada , me pedias demais. De ti mesmo exigias que fosses um cão. De mim
exigias que eu fosse um homem." A cabeça matemática e fria do homem pouco a
pouco entendeu que o que fizera ao cão era impune e definitivo, pois "não haviam
inventado castigo para os grandes crimes disfarçados e para as profundas
traições'. O professor, então, passou a olhar a cova onde havia enterrado sua
"fraqueza e sua condição, e era como se "José, o cão abandonado, exigisse dele
(...) num último arranco, que fosse um homem e como homem assumisse o seu crime.
O professor não queria mais se sentir livre de seu crime, não seria nunca um
homem se abandonasse tão facilmente também sua culpa. "Agora. mais matemático
ainda, procurava um meio de não se ter punido." O homem. lentamente, desenterrou
o cachorro desconhecido e renovou o seu crime para sempre. transformando em um
verdadeiro homem, o professor desceu a chapada.
Laços de Família
(Livro), de Clarice Lispector
Laços de Família inclui-se entre os melhores livros de
contos de nossa Literatura. São 13 contos centrados, tematicamente, no processo
de aprisionamento dos indivíduos através dos "laços de família", de sua prisão
doméstica, de seu cotidiano. As formas de vida convencionais e estereotipadas
vão-se repetindo de geração, submetendo as consciências e as vontades. A
dissecação da classe média carioca resulta numa visão, desencantada e descrente
dos liames familiares, dos "laços" de conveniência e interesse que minam a
precária união familiar.
Pertencente ao circuito literário nacional dos idos de 1945, Clarice Lispector recebeu influência direta do romance psicológico e do chamado fluxo de consciência presente na literatura irlandesa desde a publicação de Ulisses de James Joyce.
O forte apelo intimista e a miríade de imagens desencadeadas em seus angustiantes textos revelam a própria condição de solidão do homem no mundo.
Há um aspecto a ser levantado nas personagens criadas por ela. Usualmente são moças, velhas, casadas, solteiras, enfim, mulheres e sua realidade social e pessoal deflagradas sob o olhar hipnotizante e martirizador de Clarice.
Pertencente ao circuito literário nacional dos idos de 1945, Clarice Lispector recebeu influência direta do romance psicológico e do chamado fluxo de consciência presente na literatura irlandesa desde a publicação de Ulisses de James Joyce.
O forte apelo intimista e a miríade de imagens desencadeadas em seus angustiantes textos revelam a própria condição de solidão do homem no mundo.
Há um aspecto a ser levantado nas personagens criadas por ela. Usualmente são moças, velhas, casadas, solteiras, enfim, mulheres e sua realidade social e pessoal deflagradas sob o olhar hipnotizante e martirizador de Clarice.
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