Narrativas digitais na escola - uma experiência fantástica
Narrativas digitais na escola
Uma experiência que pode ser fantástica
“Por que contar histórias? Histórias são o que o homem faz para dar
sentido ao mundo.” (Joe Lambert)
O
que em inglês se denomina Digital
Storytelling, no Brasil estamos chamando de narrativa digital. Em sua
essência trata-se de fazer uso de tecnologias digitais para contar
estórias ou histórias.
Contar
e ouvir histórias sempre fez
parte da história da humanidade. Provavelmente aquele que chamamos de
homem “pré-histórico” assentava-se ao redor de fogueiras e contava
histórias, narrava fatos do seu cotidiano, relatava suas aventuras. No
linguajar bem mineiro, “contava causos”.
Antes
mesmo de escrever, o homem contou
histórias usando figuras, as famosas pinturas rupestres que encontramos
em cavernas em muitas partes do mundo. Deixou registrados fatos do seu
dia-a-dia, como a caça, nos mostrou animais com os quais convivia. Desde
então, mais de 20.000 anos atrás, contar
histórias é uma das nossas formas mais fundamentais de comunicação.
Crescemos com nossos pais nos contando
histórias. Depois, pais, contamos histórias para nossos filhos, embalando seu sono.
Contar
histórias é uma característica
universal de cada país e de cada cultura, como reconhecem os
antropólogos, ainda que, ao longo de boa parte do século 20, a narração
tenha perdido um pouco de sua importância, tenha merecido menor
respeito, como afirma Steve Denning, em artigo sobre a ciência
de contar histórias que foi publicado na revista Forbes.
Para Denning, o contar histórias teve
uma espécie de eclipse no século passado, quando as narrativas eram vistas como sendo tanto infantis quanto triviais.
No
seu artigo Denning faz referência
ao livro “On the Origin of Stories: Evolution, Cognition, and Fiction”
de Brian Boyd, que busca explicar a razão pela qual a aparentemente
frívola atividade de contar histórias é tão poderosa. Boyd ajuda a
entender o contar histórias como algo central na inovação,
uma dimensão da performance crítica nas organizações no século XXI:
histórias são uma espécie de jogo cognitivo, um estímulo e um
treinamento para a mente viva.
Todos nós gostamos de ouvir uma boa
história. Mas nosso cérebro reage de forma diferente às narrativas.
As
pesquisas em Neurobiologia revelam
que, quando ouvimos alguém que usa uma apresentação gerada no
PowerPoint, ativamos as áreas de Broca e de Wernicke do nosso cérebro.
Mas
quando nos contam uma história,
as coisas no nosso cérebro mudam drasticamente. Como revelam as
pesquisas, não são apenas as áreas de processamento da linguagem em
nosso cérebro que são ativadas quando ouvimos histórias. Outras áreas em
nosso cérebro serão ativadas enquanto lidamos com os
eventos da história. Por exemplo, se o contador de historias fala de
uma comida gostosa, nosso córtex sensitivo como que acende. Se o
contador de histórias fala as palavras “lavanda” ou “sabão” nossa área
do cérebro que lida com odores será ativada.
O
cérebro, pelo que parece, não faz
muita distinção entre ouvir o relato de uma experiência e encontra-la
na vida real. Nesses casos, as mesmas regiões neurológicas são
estimuladas. Mas o essencial é que somos afetados por ambos.
Há
muito tempo se reconhece que ler
uma boa literatura nos faz melhores como seres humanos. A neurociência
vem revelando que essa afirmação é mais verdadeira do que poderíamos
imaginar. Ouvir histórias também faz bem, como ler.
A
proposta da narrativa digital é combinar
a antiga arte de contar histórias com recursos das chamadas tecnologias
digitais de informação e comunicação. As narrativas são elaboradas na
perspectiva de linguagens múltiplas, lançado mão de recursos de
multimídia [texto, fotografia, vídeo, áudio, gráfico].
É possível ainda a narração, que deve ser gravada pelo contador de
estórias. Prontas, as narrativas são publicadas na internet e tornam-se
acessíveis a muitos.
Se
na narrativa tradicional a forma
de comunicação é praticamente apenas a fala do contador de histórias,
as histórias digitais são contadas com recursos das linguagens
múltiplas, criadas em computador e colocadas na internet.
As
histórias digitais podem variar em
tamanho. Porém, na sua maioria, as histórias utilizadas na educação
geralmente duram algo entre 2 e 10 minutos. Com esse tempo consideramos o
chamado ciclo de atenção, que, segundo alguns pesquisadores, nos
adultos é de 15 a 20 minutos e nas crianças atuais
parece ser menor, particularmente quando se trata de aprendizagem
visual ou oral. Há que afirme que o ciclo de atenção [em inglês,
attention span] das crianças hoje em dia seria da ordem de apenas 8
minutos. Há quem responsabilize, ou culpe, a televisão e
a internet por essa significativa redução.
Na
narrativa digital aplicada à educação,
temos relatos de eventos históricos, histórias de vida – pessoal, da
comunidade escolar ou do entorno dela. O essencial é que seja sempre
algo que tenha significado para o aluno.
Apesar
de seu atual destaque, a narração
digital não é uma prática nova. Um dos pioneiros nessa, podemos dizer,
arte é Joe Lambert, cofundador do Center for Digital Storytelling (CDS),
organização sem fins lucrativos, hoje localizada em Berkeley,
Califórnia, nos Estados Unidos.
A
proposta do CDS, desde a sua criação
– como San Francisco Digital Media Center – em 1994, foi de apoio a
jovens e adultos na criação e no compartilhamento de narrativas
pessoais, lançando mão da combinação de escrita reflexiva com mídias
digitais.
No
início de seu livro “Digital Storytelling:
capturing lives, creating commitment”, Joe Lambert coloca uma questão
básica: “Por que contar histórias?”. E assim ele mesmo responde à
questão que formula: Histórias são o que o homem faz para dar sentido ao
mundo.
Um
detalhe: Joe Lambert usa o termo
stories. Na língua inglesa a distinção entre estória e história ainda
parece persistir. A história é entendida como uma descrição narrativa
objetiva de eventos passados, enquanto que a estória é uma descrição
narrativa subjetiva, tanto de acontecimentos reais
passados, quanto de pessoas imaginárias ou eventos.
Na
língua portuguesa a palavra “estória”
se referia aos contos, às fábulas, enfim, à ficção. Já a palavra
“história” era utilizada para se fazer referência a fatos e atos
da/sobre a humanidade, relativos à vida de uma pessoa. Atualmente, o
termo “estória” parece cair em desuso; o termo “história”
passa a ser utilizado em todos os sentidos. Nesse post usarei apenas a
palavra história, a não ser quando a palavra “estória” for absolutamente
necessária para algum esclarecimento.
E,
continua Lambert, somos perpétuos
contadores de histórias, revendo eventos na forma de cenas revividas,
pepitas de contexto e caráter, ações que levam a realizações.
Outro
pioneiro no campo das narrativas
digitais foi Daniel Meadows, fotógrafo, autor e educador britânico. Ele
definiu histórias digitais como sendo “contos multimídia, pessoais,
breves, contados com o coração”. Também disse que as histórias digitais
são “sonetos multimídia do povo”.
É
interessante quando Joe Lambert, em
seu livro “Digital Storytelling”, afirma que o cérebro que o leitor
está usando para lê-lo, quando descreve sobre histórias (mantenho aqui a
palavra que ele usa originalmente) e o contar de histórias, é muito
diferente daquele cérebro usado se o leitor o ouvisse
contar uma história.
Há
muito tempo o contar histórias faz
parte do ambiente escolar, notadamente no ensino infantil e nas séries
iniciais. Hoje em dia, no campo da educação, professores e alunos, nas
salas de aula dos anos iniciais até o ensino superior, incluindo a
pós-graduação, estão usando narrativas digitais
com diferentes propósitos, em diferentes áreas de conteúdo e através de
uma grande variedade de níveis de escolaridade.
Não
se trata apenas de professores contando
histórias, como vem sendo o usual, lançando mão de recursos multimídia.
Precisamos pensar na situação dos próprios alunos se tornarem
contadores de histórias digitais, é isso o que devemos buscar.
Será,
com certeza, uma experiência fantástica
para os alunos. Autores, combinarão uma tradição da própria espécie
humana, o contar histórias/estórias, com as tecnologias digitais, que
tanto lhes atrai. Usando imagens que eles mesmo produzirem, é o ideal,
ou buscadas na internet [o que exigirá a habilidade
da busca e a competência para a escolha, bons exercícios], combinando
as imagens em apresentações que podem ser transformadas em vídeos],
associando o áudio, como narrativa oral ou uma agradável trilha musical
[são muitos os sites onde encontrar, gratuitamente,
músicas e efeitos sonoros], ou produzindo vídeos, os alunos poderão,
com as narrativas digitais, contar histórias/estórias, mostrando o que
aprenderam, experiências que viveram. E, se carregarem as suas
narrativas em sites como SlideShare, YouTube ou Vimeo,
mostrarão tudo isso para o mundo.
Parece-me
uma experiência saborosa.
Será um tempo para o exercício da criatividade, um momento para a
expressão da estética, deixando a imaginação dos alunos correr solta.
Projetos de narrativas digitais estimularão os alunos a expressar-se
visualmente, o que é uma habilidade diferente de escrever.
Talvez trazer as narrativas digitais
para a sala de aula seja tarefa para um professor ousado; talvez basta querer ser um professor diferente.
Por que não começar a fazer isso logo?
Meus
alunos de graduação (licenciatura)
em Ciências Biológicas na PUC Minas estão fazendo suas narrativas
digitais criando apresentações no PowerPoint, que depois transformam em
vídeo, utilizando o Windows Movie Maker. Os vídeos são carregados no
YouTube. Para facilitar o trabalho deles, um pequeno
manual foi organizado.
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